A Associação Lar do Pequeno Assis, em Campo Grande (MS) foi o palco de estreia para o espetáculo “Terra Brava” no último dia 10 de dezembro, trama que gira em torno de Maria e José, um casal que enfrenta dilemas no coração da terra e na alma, em busca de uma vida melhor. Enquanto José quer partir, Maria deseja permanecer ligada à terra.
Escrito por Nathália Maluf, com colaboração de Dora Gomes e dirigido por Lígia Prieto, o espetáculo explora temas de pertencimento, ancestralidade e resistência, inspirados na história familiar da autora, neta de nordestinos que migraram para MS.
Em cena, os atores Nathália Maluf e Tero Queiroz executam uma performance que mescla elementos teatrais e circenses.
Ao longo da história, os personagens representam a luta pela sobrevivência e o desejo de mudança, referenciando a jornada de diversos povos, como nordestinos, indígenas, quilombolas e camponeses. “Apesar do texto do espetáculo retratar a história de um casal de nordestinos, os personagens da obra carregam consigo esse sonho de pertencimento, a luta e a resistência de uma terra que é sua por direito e a aspiração de uma vida mais generosa.
Assim, Terra Brava, que também retrata na dramaturgia a ancestralidade indígena do personagem José, é terra de retirante nordestino, mas também de indígena, e quilombola, de sertanejo, de camponês e de todos aqueles que se veem obrigados, em determinado momento da vida, a partir ou lutar para ficar, mas sem perder a bravura e o almejo de preservar sua própria história e sustentar sua identidade”, introduziu Nathália.
A autora apontou que o encontro entre o circo e o teatro, que o processo trouxe, é marcado pela sinergia corporal e dramática das duas linguagens. “Então, o circo aqui reconfigura tanto o corpo do ator e da atriz para a cena quanto a própria linguagem cênica, por exemplo, ainda temos uma estrutura em cena, que não só compõe o cenário, a estética ou serve para ancoragem de aparelhos, como geralmente estamos acostumados a ver, mas ela é também o nosso próprio aparelho em cena e acaba virando uma extensão do nosso próprio corpo ali”, acrescentou.
Nathália também afirmou que o espetáculo traz algo escasso no cenário sul-mato-grossense.
“Eu defendo a ideia de que não é um espetáculo só de teatro ou só de circo, é a partir do entroncamento dos dois. Não acho que a gente tá inventando a roda de maneira alguma, tem muitas pessoas fazendo isso por aí e já algum tempo, mas aqui no Mato Grosso do Sul, esse tipo de trabalho que mistura do início ao fim circo e teatro, não separando texto da virtuose e aproveitando o repertório dramatúrgico como um todo, ainda trazendo a poética circense a partir de elementos que fogem, por exemplo, da comicidade ou da palhaçaria, como estamos acostumando a ver por aqui quando se trata da junção das duas linguagens, é um diferencial da nossa proposta. Não no sentido de ser o único, o primeiro, isso não, mas esse tipo de produção ainda é muito escasso por aqui”.
Ela ainda celebrou que Terra Brava seja um trabalho artístico escrito e dirigido por mulheres. “Com esse espetáculo eu acho que a cidade acaba democratizando o cenário artístico local, porque produções assinadas por mulheres como essa, eu na dramaturgia e Lígia na direção, ainda são muito pequenas se equiparadas a produções realizadas por homens aqui no MS”, completou.
O projeto é incentivado pelo Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul (FIC/MS) de 2022, com gestão da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e da Secretaria de Esporte, Turismo e Cultura (Setesc).
Com apresentações gratuitas em diferentes bairros de Campo Grande, o espetáculo busca descentralizar a arte e levar o teatro a públicos com acesso limitado a produções culturais.
Composição e criação
A diretora Lígia Prieto contou como foi o processo de ensaio para o espetáculo Terra Brava com Nathália e Tero. “A partir da dramaturgia da Nath, que é uma dramaturgia muito potente, a gente foi caminhando num processo da Escuta da Criação, que é um processo que eu acredito muito para a cena, onde não há uma imposição da criação, em que eu, enquanto diretora, marque toda a cena ou conduza especificamente para algum tipo de ação. Não, pelo contrário, a gente trouxe durante o processo muitas experimentações, tentativas de encontrar as palavras que foram escritas pela Nathália e que trazem a trajetória, as histórias que ela queria partilhar, dentro dos corpos das pessoas que estão em cena”, explicou.
De acordo com a diretora, a abordagem com o elenco passou por um grande processo de experimentação, com foco inicial em pontos específicos. “A gente trabalhou relação, encontro, escuta do próprio corpo, escuta do próprio nascimento do gesto, para entender onde cabe cada coisa. Inclusive, para encontrar as partituras circenses que fazem parte do espetáculo”, detalhou.
Assim, o processo cênico foi se construindo aos poucos. “Esse processo é um processo que vai primeiro preparando esses corpos, compondo esses corpos dessa história, dessa trajetória, e a última coisa que nasce é, de fato, o desenho cênico. Porque o desenho cênico é um resultado desses encontros todos”, pontuou Prieto.
O impacto do processo estará evidente no espetáculo que, na avaliação da diretora, entrará numa nova fase após a estreia. “Então, o espetáculo ele se monta mesmo em processo, e ele se monta muito mais perto desse final: ‘ah, chegamos no final!’, que é onde começa um outro processo, que é esse encontro agora que o espetáculo vai percorrer com a plateia. Então, todo esse caminho foi muito rico, foram meses de trabalho, mas que primeiro a gente se preocupou em preencher esses corpos dessa dramaturgia, dessas trajetórias desses personagens, para depois ganhar essa cena com o desenho que as pessoas vão assistir”, disse.
Lígia revelou que suas expectativas para a recepção do espetáculo estão altas. “Porque o espetáculo é muito potente. Ele é um espetáculo que cabe em muitos lugares, embora a estrutura dele exija um espaço mais alto, então ele acontece muito tranquilamente na rua, mas ele poderia acontecer muito lindamente, com uma iluminação incrível, dentro de um teatro, mas já que a gente trabalha com alturas, temos algumas limitações, infelizmente, na cidade. São Marias e Josés, Marias e Joãos que vão percorrer esse trajeto de encontro e todos nós somos Marias, Josés e ‘Joães’.
Questionada sobre qual foi o maior desafio no processo de criação do espetáculo, a diretora considerou que foi necessário romper as limitações.
“Acho que o nosso maior desafio foi tornar isso fluído, e acredito que ampliar mesmo esse lugar das referências, porque tudo pode, não pode qualquer coisa, mas tudo pode. Então, às vezes, a gente se limita por achar que não pode fazer uma partitura circense no meio de uma história, mas não, tudo é feito de história também. Então, essas misturas, esses encontros todos fazem a cena acontecer de forma muito fluida”.
O projeto conta com apoio do Grupo Casa, Ateliê Ramona Rodrigues, Pisando Alto e TeatrineTV. Agradecimentos especiais são dirigidos a Maria José Noberto Silva, Marcelino Gomes Silva, José Noberto de Moraes e Regina Gomes, cujas histórias inspiraram a obra.
Workshops gratuitos
Além das apresentações, a Cia Apoema oferecerá dois workshops gratuitos em Campo Grande, explorando a interseção entre circo e teatro.
O primeiro workshop, “Circo-Teatro: Um Borrar de Fronteiras Brincante”, é voltado para crianças acima de 5 anos e adolescentes. Ele oferece uma vivência lúdica, abordando acrobacias, malabares e técnicas circenses presentes no espetáculo “Terra Brava”. O workshop será realizado nos mesmos bairros das apresentações.
O segundo workshop, “Um Borrar de Fronteiras: Circo, Teatro, Corpo Cênico e suas Possibilidades”, destina-se a artistas, professores e público geral. Com duração de 4 horas, será realizado no Ateliê Ramona Rodrigues e visa aprofundar o processo criativo do espetáculo e fomentar a troca cultural.
As inscrições para o segundo workshop são limitadas a 20 participantes. Caso o número de inscritos ultrapasse a capacidade, vagas serão destinadas a indígenas, negros e a comunidade LGBTQIA+.
Ambos os workshops são gratuitos e têm como objetivo ampliar o acesso às técnicas circenses e teatrais.
Os interessados devem se inscrever pelo link clique aqui.
Confira a programação:
- 12/12 – EE Clarinda Mendes de Aquino, 9h (Apresentação)
– 12/12 – 13h (Workshop) - 14/12 – Praça da Poesia, 16h (Apresentação)
– 14/12 – 8h (Workshop) - 16/12 – Instituto Aciesp, 16h (Apresentação)
– 16/12 – 8h (Workshop)

