‘Ainda Estou Aqui’ perde Bafta para ‘Emilia Perez’ apesar de polêmicas envolvendo musical

Filme está envolvido em polêmicas e divide opiniões...

Apesar das inúmeras polêmicas envolvendo o filme Emilia Perez, o musical levou o prêmio de melhor filme em língua estrangeira no Bafta, o principal prêmio do cinema britânico, equivalente ao Oscar nos EUA.

O filme disputava o prêmio com o filme brasileiro Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, com Fernanda Torres no papel principal.

Ambos estão no páreo para o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar, no início de março. Fernanda Torres também concorre ao Oscar de melhor atriz.

Disputando em 11 categorias, Emilia Perez foi o segundo filme com mais indicações ao Bafta este ano (atrás apenas de Conclave, com 12), apesar das inúmeras polêmicas e campanhas nas redes sociais contra o filme. Além de vencer na categoria filme estrangeiro, levou também o prêmio de melhor atriz coadjuvante para Zoe Saldana.

Além de ter sido criticado pela caracterização da protagonista transgênero, considerada preconceituosa, o filme foi mal visto pela falta de representação de atores mexicanos, por ter sido gravado na França apesar de se passar no México e até mesmo por polêmicas envolvendo a atriz principal, a mulher transgênero Karla Sofía Gascón, acusada de fazer comentários racistas nas redes sociais.

Apesar de tudo, Emília Perez recebeu o prêmio de melhor filme em língua não inglesa no Bafta depois de um grande sucesso no Globo de Ouro, onde recebeu o troféu em três categorias.

A vitória em prêmios anteriores ao Oscar é considerada um indicativo dos caminhos que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deverá tomar em seu prêmio – embora nem sempre os resultados sejam iguais.

Embora tenha perdido o prêmio de melhor filme estrangeiro para Emilia Perez no Bafta e no Globo de Ouro, Ainda Estou Estou Aqui rendeu o prêmio de melhor atriz para a brasileira Fernanda Torres no Globo de Ouro – primeira vez que um filme brasileiro leva o prêmio.

Fernanda Torres e Walter Salles compareceram à premiação neste domingo
Fernanda Torres e Walter Salles compareceram à premiação neste domingo

Principal prêmio do cinema no Reino Unido

O Bafta é a principal premiação do audiovisual britânico, homenageando tanto produções para cinema quanto para a televisão.

Conclave, de Eward Berger, levou quatro prêmios no total, incluindo melhor filme e melhor filme britânic. Também ganhou melhor roteiro e melhor edição.

O filme O Brutalista também ficou com quatro prêmios: de melhor diretor para Brady Corbet, de melhor ator para Adrien Brody, de melhor cinematografia e de melhor trilha original.

O filme A Verdadeira Dor rendeu o Bafta de melhor ator coadjuvante para Kieran Culkin. Zoe Saldana levou o de melhor atriz coadjuvante por Emilia Perez.

O prêmio de melhor atriz foi para Mikey Madison, pelo filme Anora.

O prêmio de melhor maquiagem a cabelo foi para A Substância.

Outros vencedores incluíram Wallace & Gromit: A Vingança das Aves, que recebeu o prêmio de melhor animação; Duna Parte 2, de Denis Villeneuve, que ganhou efeitos especiais e som; e Wicked, que venceu melhor design de produção e melhor figurino.

Emilia Perez e as polêmicas – O filme mescla vários gêneros para contar a história de um violento líder de cartel mexicano. Ele faz a transição para se tornar mulher e busca restaurar a justiça pelos “desaparecidos” do país — pessoas mortas e ausentes, vítimas da violência relacionada aos crimes e às drogas.

De um lado, a caracterização da protagonista transgênero do filme gerou controvérsias. A organização LGBTQIA+ americana Glaad a qualificou de “retrógrada”, mas este não é o maior motivo de discussões sobre o filme no momento.

A principal polêmica envolvendo Emilia Pérez é sua representação do México, que sofreu críticas cada vez mais fortes ao longo da temporada de premiações.

Antes mesmo da estreia do filme no país, em 23 de janeiro, críticos e figuras da indústria cinematográfica mexicana já se queixavam da participação inexpressiva de mexicanos na equipe e no seu elenco principal — e da própria representação do país em si, sem falar no seu tema assustador.

Após o sucesso de Emilia Pérez no Globo de Ouro, surgiu uma enxurrada de críticas entre os usuários mexicanos do X, antigo Twitter.

Em uma postagem que atingiu 2,6 milhões de visualizações, o roteirista mexicano Héctor Guillén marcou a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, no dia seguinte ao Globo de Ouro.

Ele publicou um pôster que dizia: “O México odeia Emilia Pérez. Escárnio racista e eurocentrista. Quase 500 mil mortos e a França decide fazer um musical.”

“Tentei copiar a forma hollywoodiana de promover filmes [para conseguir as premiações], sabe, quando eles basicamente dizem ‘filme incrível'”, contou Guillén à BBC. “Eu quis fazer a contrapartida, quis divulgar outra visão do que é Emilia Pérez para muitos de nós, mexicanos.”

Guillén chama Audiard de “grande cineasta”, mas afirma que a decisão de fazer a maioria absoluta do filme em estúdios perto de Paris, na França, e a forma em que a história aborda um doloroso tema nacional do México contrariaram muitas pessoas na sua rede social.

“Existe uma guerra das drogas, com cerca de 500 mil mortos [desde 2006] e 100 mil desaparecidos no país”, prossegue ele. Os números mencionados por Guillén são estimativas recentes do governo mexicano.

“Ainda estamos imersos na violência em algumas regiões. Você está falando de um dos temas mais difíceis do país, mas não é apenas um filme qualquer, é uma ópera. É um musical.”

“Por isso, para nós e para muitos ativistas, é como se você estivesse brincando com uma das maiores guerras do país desde a Revolução Mexicana [1910-1920]”, prossegue Guillén.

“Parte do roteiro trata das mães que procuram os [filhos] desaparecidos, um dos grupos mais vulneráveis do México. E não houve nenhuma palavra para as vítimas, nos quatro discursos de aceitação do Globo de Ouro.”

O diretor do filme, Jacques Audiard, contou à BBC ter visitado o México diversas vezes, tentando filmar no país e escalar os atores principais.

“Tive a ideia de fazer uma ópera com Emilia Pérez e fiquei um pouco assustado”, ele conta. “Senti que precisaria injetar um pouco de realismo no filme.”

“Por isso, fui ao México, talvez duas ou três vezes, caçando talentos durante o processo de escolha do elenco. Mas alguma coisa não estava funcionando. E percebi que as imagens que eu tinha em mente [para o filme] simplesmente não combinavam com a realidade das ruas do México.”

“Eram simplesmente muitos pedestres, era realista demais”, se defende. “Eu tinha uma visão muito mais estilizada em mente. Por isso é que o trouxemos para Paris e reinjetamos nele o DNA da ópera.”

Audiard também argumenta em sua defesa: “Pode ser um pouco de pretensão minha, mas será que Shakespeare precisou viajar até Verona para escrever uma história sobre aquele lugar?”

A julgar pelo sucesso do filme na temporada de premiações, muitos críticos e eleitores devem concordar com Audiard — ou, pelo menos, acreditar que Emilia Pérez tem fortes méritos artísticos, independentemente desta questão.

“Senti que era uma obra imensamente inovadora quando a vi”, declarou o crítico de cinema britânico James Mottram. “Quero dizer que é uma nova abordagem da história dos cartéis, um musical muito incomum, uma história transgênero.”

Fonte: BBC Brasil

Compartilhar: